Sorri e o Mundo Sorri Contigo por Luísa Sargento

14 maio 2009

O Gigante Sôfrego e o Anão Comedido

" No tamanho, o Gigante dir-se-ia uma torre. Ao andar, o seu peso descomunal punha o solo em tremuras. Tossindo, as árvores esgalhavam-se, vergadas cpmo se fossem açoitadas por uma ventania. As mãos quando abertas, eram tão grandes, que produziam mais sombra do que a vela de uma navio. E que peludos os seu braços, com pêlos direitos e rijos como pinheiros novos?! Os cabelo caíam-lhe, então, grossos e em madeixas crespas, sobre os ombros, como feixes e novelos de cobras. E, em tão extraordinária cabeleira, aé um casal de melros construíra o seu ninho.

O Gigante empunhava uma enxada. E noite e dia cavava o terreno, à frente do seu castelo, em busca de um rico tesouro, que era tradição ali ter sido escondido. Cada enxadada abria um buraco maior do que o provocado por uma bomba. E o Gigante não se cansava, porque tinha em mira enriquecer depressa. Sim, ele era muito pobre. No seu castelo, os único móveis cingiam-se a uma mesa de pinho e a uma cadeira. E, por ser tão pobre, não se resignava a angariar lentamente a riqueza. Se não fosse o seu vizinho Anão, decerto que já teria há muito morrido de fome. Cavando sem detença, há cerca de três anos, não ganhava com que alimentar-se. Mas o vizinho fazia-lhe amiúde pequenos empréstimos de dinheiro e géneros, à conta do presumível tesouro. E assim o Gigante aguentava-se, sem quebra na empresa em que se metera.

Não obstante, o senhor Anão, porque era ajuizado e boa pessoa, não deixava de aconselhá-lo, a cada novo pedido:
- andais por mau caminho, amigo Gigante! Se fora comigo, preferia trabalho menos canseiroso, porém capaz de ir dando frutos aproveitáveis. Eu cá não tenho pressa de enriquecer. Todos os dias amanho, durante umas horas, os meus campos. Depois, vou ao mercado da cidade vender as couvitas e os nabos, e ainda me fica tempo para gozar o sol e ouvir o canto dos passarinhos, para a pesca na ribeira ou para dedicá-lo à minha viola.

E o senhor Anão, que a seu lado se diria uma formiga, puxava duas fumaças do cigarrito, afagava o queixo de barba rala ou cantarolava o "ai-ó-linda", olhando-o compadecido. Mas o Gigante - qual quê? - de tão preso à tarefa, nem se quer o ouvia. E era pena, porque, se examinasse as bochechas rosadas e a gorda barriguinha do senhor Anão, provas evidentes da sensata e agradável vida que este levava, compreenderia num ápice que o seu conselho era atilado.

Dez anos decorreram desde que o Gigante Sôfrego iniciara a busca do tesouro. Mas desses dez anos, por motivo da ininterrupta canseira sofrida, representavam para ele trinta. Extemporâneamente, os cabelos haviam-lhe embranquecido, cobrindo-lhe a cabeça de neve. Nas mãos tinha grandes calos, produzidos pelo cabo da enxada. Já via mal, cansados os olhos de tanta procura. Nas costas, por andar sempre curvado, crescera-lhe uma giba. E, de mirrado em que o pusera o trabalho, afigurava-se um comprido bacalhau seco.

Mas, enquanto isso lhe acontecia, o seu amigo Anão Comedido continuava rijo como um pêro, indo à pesca e tocando viola. E com o dinheiro, juntou moeda a moeda, tornara a sua cabana numa linda casinha de telha, com craveiros e manjericos em todas as janelas. Apesar de não ter atingido aquela riqueza que pretendia o Gigante Sôfrego, era, contudo, um homenzinho feliz, pois gozava a vida, sem entretanto desperdiçá-la.

Certa tarde, já quando, exausto, o Gigante Sôfrego não podia dar mais uma enxadada, o ferro bateu de súbito em objecto sonante. E o Gigante achou-se milionário, pois encontrara finalmente o tesouro - um bojudo cofre repleto de moedas de oiro e prata, diamantes e pérolas.

Mas, se logo nessa noite, quando se dispunha, ao cabo de dez anos, pela primeira vez, a saborear uma longa soneca, a falta de hábito de possuir haveres, o medo dos ladrões, conservou-o acordado No dia imediato o catarro e o reumático não lhe consentiram que fosse ao cinema ou aos "cavalinhos", no gozo da riqueza achada. E, à hora da ceia, a falta dos dentes obrigou-o a não tocar no peru e na torta de maçã cujos cheirinhos faziam crescer água na boca. E o Gigante Sôfrego cogitava, com o coração tristonho: " Para que me serve afinal a riqueza, se esta só me inquieta, não permitindo nenhum prazer? Gastei a vida, rapidamente, a fim de obtê-la, preso a uma desmedida ambição. E para quê, se, conseguida, resultou mais num empecilho do que num gosto? Em dez anos vive trinta, sem proveito algum..."

Enquanto isto sucedia ao Gigante Sôfrego, o seu amigo Anão Comedido passava resvés ao castelo, tocando viola e cantarolando o "ai-ó-linda", com destino ao carrocel, à montanha russa e ao furinho dos chocolates da Feira Popular. O Gigante avistou-o através da vidraça partida da sua janela. E, chorando, ficou-se a dizer em voz alta:
- Ai, amigo, que louco fui em não te escutar! Só agora verifico que tinhas razão...

E, lamentando-se assim, acabou por morrer, possuidor de tanta riqueza inútil, enquanto, já na Feria Popular, o Anão Comedido, a cavalo numa zebra de pau, petiscava um grosso chocolate, ainda com vinte anos de vida para gozar, antes que tivesse catarro e reumático ou falta de dentes. "

Conto Infantil de João Sereno in Colecção Formiguinha

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